Campylobacter spp. é a principal causa bacteriana de doenças transmitidas por alimentos em todo o mundo.

 

Campylobacter é uma das causas frequentes de surtos de origem alimentar. Cerca de 1.254 casos de doença e 125 hospitalizações foram registrados na União Europeia em 2019. No Brasil, porém, a presença de Campylobacter é subnotificada. Uma das causas da falta de informação é devido a dificuldade de isolamento em produtos alimentícios. Além das exigências de crescimento deste micro-organismo no meio de cultura (Hovart et al., 2022).

Campylobacter jejuni e C. coli são espécies intimamente relacionadas aos casos de segurança alimentar. Ambas estão envolvidas em doenças transmitidas por alimentos, sendo C. jejuni a espécie mais comumente isolada.

Neste artigo vamos dar enfoque na ação da C. jejuni na indústria láctea e avícola. Esses dois segmentos são os que preocupam todos os órgãos de segurança dos alimentos, devido ao elevado número de contaminação. 

 

Campylobacter jejuni em lácteos, devo me preocupar?

Campylobacter jejuni está entre as bactérias mais preocupantes em leites, juntamente com Salmonella sp., Escherichia coli, Listeria monocytogenes, Yersinia enterocolitica e Staphylococcus aureus.

Em outubro de 2022 um caso ocorrido na Califórica chamou atenção: leite de cabra cru foi recolhido devido a contaminação microbiológica. 

De acordo com o Departamento de Alimentação e Agricultura da Califórnia, a bactéria chamada ‘Campylobacter jejuni‘ foi detectada no leite de cabra cru

Como ocorre a contaminação?

Na indústria láctea, o leite cru é o produto que apresenta maior nível de contaminação por Campylobacter, ocorrendo principalmente na etapa de ordenha, mas também pode estar associada a contaminação fecal.

A partir do armazenamento sob refrigeração, o nível de contaminação por C. jejuni e C. coli cai consideravelmente, o que é compreensível considerando que esses micro-organismos são termofílicos, visto que crescem em uma faixa bastante estreita de temperatura, que varia entre 30 ºC e 47 ºC, com um ótimo de 42 ºC.

Além do frio, o Campylobacter apresenta algumas sensibilidades, que podem ser usadas estrategicamente para a eliminar este micro-organismo do processo. Por exemplo, o Campylobacter é altamente sensível ao sal. Assim, não se multiplicam em meios contendo 2% de NaCl quando mantidos a 30ºC-35ºC.

O tratamento térmico do leite antes do consumo, especialmente a pasteurização, é comumente usado para evitar os riscos causados à saúde. 

 

O caso de recolhimento ocorrido na Califórnia se justifica devido a permissão de comercialização do leite cru no país. Os consumidores, mesmo sabendo dos perigos associados a esse tipo de produto, acabam preferindo-o ao invés do leite pasteurizado. 

No Brasil, desde 1969, de acordo com o Decreto-lei nº 923, é proibida a venda de leite cru para consumo direto da população, em todo o território nacional.

Mesmo assim, as indústrias brasileiras não estão 100% livres da presença desse micro-organismo em seu processo, uma vez que a contaminação dos produtos por Campylobacter pode ocorrer devido a etapas incompletas de pasteurização ou pós-pasteurização.

 

Campylobacter jejuni na indústria avícola

É importante ressaltar que a carne de ave é uma das fontes mais comuns de infecções esporádicas por Campylobacter. Isso se deve ao ambiente intestinal do frango apresentar condições ideais para o crescimento de Campylobacter. Assim,é crucial evitar que essa bactéria se espalhe nas fazendas, antes que chegue na cadeia de suprimento de alimentos.

 

No entanto, a dificuldade em controlar a propagação de Campylobacter em granjas de frangos decorre da complexidade do ciclo de transmissão e da falta de compreensão dos mecanismos subjacentes da disseminação de Campylobacter nas granjas (Rawson et al., 2020).

Como ocorre a contaminação?

De acordo com Hovart & colaboradores (2022) as fontes típicas de Campylobacter em uma granja convencional são:

↠Meio ambiente (outros animais, terrenos contaminados, insetos), 

↠Humanos (agricultores e pessoal, veterinários, equipe de captura de aves e outros visitantes), 

↠Utensílios e equipamentos agrícolas (equipamentos agrícolas, utensílios como gaiolas, comedouro, etc), 

↠Água (poças, valas e lama)

Como reduzir a contaminação por Campylobacter?

As medidas recomendadas para reduzir a contaminação dos alimentos incluem biossegurança e higiene na fazenda, abate, indústria alimentar, até níveis de cozinha.

Na prática, uma ação simples, e que evita que esta bactéria se espalhe na carcaça do frango pronto para consumo, é não lavar o produto antes do cozimento. Esta ação aumenta o risco de espalhar Campylobacter também nas mãos, utensílios e roupa dos colaboradores, favorecendo a contaminação cruzada de outros produtos. 

Outras  medidas que podem ser citadas e praticadas em estágio inicial de criação incluem: aumentar a resistência das galinhas a Campylobacter (por exemplo, vacinação) e métodos para reduzir e eliminar Campylobacter de galinhas colonizadas (por exemplo, aditivos alimentares, terapia com bacteriófagos).

Já nas granjas, a limpeza e desinfecção exerce um papel crucial no controle de Campylobacter. Neste contexto, a escolha adequada do desinfetante é um pré-requisito para a execução de um processo de higienização  bem sucedido.

Na indústria de lácteos, são necessários testes de rotina mais confiáveis. É importante que estes não dependam apenas de contagens de bactérias, coliformes e células somáticas.

Os departamentos de saúde pública podem realizar educação contínua de produtores e consumidores. Assim, todos terão consciência dos riscos do consumo de leite cru.

Tanto na indústria de lácteos como aviária, medidas de biosseguridade e teste moleculares de rotina são fundamentais no controle de Campylobacter. Controle este que vai desde o campo até o produto final.

Essas são apenas algumas dicas de como as indústrias de produtos lácteos podem ficar atentas a contaminação por Campylobacter. Mas atuar preventivamente ainda é a melhor estratégia, estando sempre à frente de possíveis danos futuros. 

Confira mais sobre Microbiologia preditiva neste artigo aqui: “MICROBIOLOGIA PREDITIVA E A INDÚSTRIA DE ALIMENTOS

Referências

Avrain, L.; Allain, L.; Vernozy-Rozand, C.; Kempf, I.; Disinfectant susceptibility testing of avian and swine Campylobacter isolates by a filtration method. Veterinary Microbiology, V. 96, Pg. 35–40, 2003.

Horvat, A.; Luning, P.A.; DiGennaro, C.;  Rommens, E.; Daalen, E.V.;  Koene, M.; Jalali, M.S.; The impacts of biosecurity measures on Campylobacter contamination in broiler houses and slaughterhouses in the Netherlands: A simulation modelling approach. Food Control,V. 141, 2022.

Rawson , RS Paton , FM Colles , MC Maiden , MS Dawkins , MB Bonsall. Uma abordagem de modelagem matemática para descobrir fatores que influenciam a disseminação de Campylobacter em um bando de frangos de corte. Frontiers in Microbiology , 11, p. 2481, 2020. 10.3389/fmicb.2020.576646