Infecção Hospitalar

As Infecções Relacionadas à Assistência a Saúde (IRAS), chamadas também de Infecções Hospitalares ou Nosocomiais, são reconhecidas pelas autoridades competentes, nacionais e internacionais, como um problema de saúde pública, que necessita de programas eficientes de controle [1, 2]. Neste artigo vamos abordar como o sequenciamento de DNA de nova geração é uma ferramenta eficaz para o controle de IRAS.

Ocorrência e Custos

A World Health Organization (WHO) calcula a prevalência de IRAS em 7,6% para países de renda alta e para países em desenvolvimento essa prevalência pode variar de 5,7% a 19,1% [3].

Em 2011, o número estimado de casos de IRAS nos Estados Unidos foi de 721.800, com aproximadamente 75.000 mortes relacionadas [4]. Os custos médicos anuais com IRAS para os hospitais nesse país podem chegar a 45 bilhões de dólares [5] e o custo para a economia dos EUA devido à resistência aos antibióticos pode chegar a mais de 20 bilhões de dólares de custos diretos, com custos adicionais à sociedade por perda de produtividade que podem chegar a mais de 35 bilhões de dólares por ano [6].

No continente europeu, o número de pacientes com pelo menos uma IRAS a cada ano é de 3,2 milhões. A prevalência de pacientes como pelo menos uma IRAS na Europa foi calculada em 6,0% (variação de 2,3 a 10,8% nos diferentes países) [7, 8].

Consequências

Segundo a WHO, o impacto das IRAS implica em:

  • Estadia prolongada na instituição de saúde;
  • Afastamento por incapacitação a longo prazo;
  • Aumento da resistência dos micro-organismos aos antimicrobianos;
  • Grande encargo financeiro adicional para os sistemas de saúde;
  • Altos custos para os pacientes e suas famílias, além do
  • Excesso de mortes.

Estudos sobre IRAS

Estudos tradicionais envolvendo as IRAS, mesmo quando utilizam novas tecnologias de biologia molecular, têm sido focados e conduzidos especialmente em micro-organismos específicos e que são cultiváveis, com o objetivo de realizar a sua caracterização e estabelecer possíveis rotas de disseminação, por exemplo, em um evento de surto [9-12].

Esses estudos são valiosos no contexto de controle de IRAS, uma vez que permitem a caracterização de cenários que são recorrentes em diversas instituições de saúde e, com isso, auxiliam na tomada de decisão, a fim de que um cenário futuro mais favorável possa ser enfrentado com mais segurança. No entanto, observa-se uma simplificação da complexidade implicada na análise do microbioma associado às IRAS.

Diversos estudos focados em determinadas unidades hospitalares também têm sido conduzidos, especialmente em Unidades de Terapia Intensiva, que demonstram a correlação da microbiota de pacientes com a estrutura física dessas unidades críticas [23-25].

Transmissão de IRAS

Há diversas evidências de que o ambiente hospitalar e os profissionais da saúde possuem um papel importe na disseminação de bactérias multirresistentes, podendo se constituir, assim, em peças-chave na transmissão de IRAS [14-22].

Os ambientes hospitalares são especialmente importantes por sua conexão óbvia com o bem-estar humano. Com um conjunto definido de fontes microbianas, como pacientes, profissionais da saúde, água e ar, é possível elucidar padrões de transferência microbiana dentro dos hospitais e determinar como os membros dessas comunidades microbianas persistem e crescem em resposta a regimes de limpeza e escolhas arquitetônicas.

Por exemplo, estudos de metagenômica com a utilização de sequenciamento do gene 16S rRNA permitem a caracterização de micro-organismos mesmo quando estes estão em baixa abundância ou não são cultiváveis, podendo ajudar a rastrear a disseminação de um táxon específico de bactérias através do ambiente hospitalar, uma informação crítica quando se quer determinar o papel das superfícies e equipamentos hospitalares na disseminação de IRAS.

Dentre as medidas apontadas, estão a necessidade urgente em estabelecer sistemas para a vigilância de IRAS e a necessidade de avaliação dos principais determinantes das IRAS como um passo essencial para fomentar estratégias de controle de IRAS [3].

Sequenciamento de nova geração para o controle de IRAS

As tecnologias de sequenciamento de nova geração têm revolucionado o entendimento sobre a composição microbiológica aplicada a diversas áreas do conhecimento, especialmente pelo fato de poder ser utilizada para conduzir estudos em larga escala e não dependentes do cultivo de micro-organismos [13].

Avanços importantes podem ser alcançados, como:

  • Determinação de fontes e reservatórios de micro-organismos associados às IRAS;
  • Escolha de melhores estratégias de limpeza e protocolos de descontaminação;
  • Caracterização do efeito das escolhas arquitetônicas e tecnológicas na ecologia do microbioma do hospital;
  • Aprofundamento da origem e disseminação de surtos;
  • Evolução da resistência aos antimicrobianos, etc.

As tecnologias de sequenciamento de nova geração, para estudos do microbioma, têm o potencial de revolucionar a compreensão sobre como os micro-organismos colonizam, se disseminam e evoluem nos ambientes das instituições de saúde.

Desafios e avanços

As tecnologias de sequenciamento de nova geração apresentam desafios, principalmente:

  • Conseguir lidar com um novo tipo de dado (sequências genômicas), que vem em grande volume, de forma a ajustar os protocolos analíticos e disponibilizar de forma facilitada essa nova tecnologia aos laboratórios de microbiologia clínica;
  • A necessidade de padronização e interpretação mais automatizada dos resultados, de forma a traduzir os dados em informações relevantes, permitindo o melhor aproveitamento dos dados;
  • A necessidade da constante melhoria dos bancos de dados, do compartilhamento de informações, assim como o desenvolvimento da bioinformática, de modo a fornecer informações relevantes a partir das sequências genômicas.

Os avanços já alcançados e aqueles que ainda estão por vir poderão estimular que microbiologistas, infectologistas e epidemiologistas possam utilizar o sequenciamento de nova geração para a investigação de surtos, de forma a mudar o seu curso, incrementar a vigilância de infecções e implementar medidas de controle de IRAS em tempo real [26-27].

Soluções para o controle de IRAS

O rastreamento ativo, baseado nessas novas tecnologias, e medidas como a administração racional de antimicrobianos, aumento na adesão à higienização das mãos, utilização consciente da precaução de contato e isolamento, podem permitir o controle eficaz e limitar a disseminação de bactérias multirresistentes, propiciando o controle de IRAS, melhoria dos desfechos para os pacientes e redução de custos para as instituições de saúde.

As novas tecnologias moleculares aplicadas na área da saúde só podem ter um grande impacto para o paciente quando a velocidade diagnóstica permite que as decisões médicas apropriadas sejam tomadas rapidamente.

Todas as alternativas podem trabalhar de forma complementar para fornecer uma harmonização de técnicas, adequadas às necessidades criadas pela problemática de cada instituição de saúde [28, 29]. Segundo Dunne, Westblade e Ford (2012) “claramente, é um momento emocionante para a microbiologia clínica”.

(O texto é parte da tese de doutorado da autora)

Quer entender melhor sobre o uso de novas tecnologias para o controle de IRAS?

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Referências

1. WHO. World Health Organization. Practical guidelines for infection control in health care facilities, 2004.
2. ANVISA. Agência Nacional de Vigilância Sanitária. Programa nacional de prevenção e controle de infecções relacionadas à assistência à saúde (2013 – 2015), 2013.
3. WHO. World Health Organization. Report on the burden of endemic health care-associated infection worldwide, 2011.
4. Magill SS, Edwards JR, Bamberg W, Beldavs ZG, Dumyati G, Kainer MA, et al. Multistate Point-Prevalence Survey of Health Care–Associated Infections. N Engl J Med. 2014;370(13):1198–208.
5. Scott RD. The direct medical costs of healthcare-associated infections in U.S. hospitals and the benefits of prevention. CDC, Centers for Control Disease and Prevention, 2009.
6. CDC. Centers for Disease Control and Prevention. Antibiotic resistance threats in the United States, 2013. Atlanta, GA.
7. ECDC. European Centre for Disease Prevention and Control. Point prevalence survey of healthcare-associated infections and antimicrobial use in European acute care hospitals 2011–2012, 2013. Stockholm.
8. ECDC. European Centre for Disease Prevention and Control. Summary: point prevalence survey of healthcare-associated infections and antimicrobial use in European hospitals 2011–2012, 2013b. Stockholm.
9. Campos AC, Albiero J, Ecker AB, Kuroda CM, Meirelles LEF, Polato A, et al. Outbreak of Klebsiella pneumoniae carbapenemase–producing K pneumoniae: A systematic review. AJIC Am J Infect Control. 2016;44(11):1374-1380.
10. Hammerum AM, Hansen F, Nielsen HL, Jakobsen L, Stegger M, Andersen PS, et al. Use of WGS data for investigation of a long-term NDM-1-producing Citrobacter freundii outbreak and secondary in vivo spread of bla NDM-1 to Escherichia coli, Klebsiella pneumoniae and Klebsiella oxytoca. J Antimicrob Chemother. 2016;71(11):3117-3124.
11. Snyder LA, Loman NJ, Faraj LA, Levi K, Weinstock G, Boswell TC, et al. Epidemiological investigation of Pseudomonas aeruginosa isolates from a six-year-long hospital outbreak using high-throughput whole genome sequencing. Euro Surveill. 2013;18(42). pii: 20611.
12. Ansaldi F, Canepa P, Bassetti M, Zancolli M, Molinari MP, Talamini A, et al. Sequential outbreaks of multidrug-resistant Acinetobacter baumannii in intensive care units of a tertiary referral hospital in Italy: combined molecular approach for epidemiological investigation. J Hosp Infect. 2011;79(2):134–40.
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