A descoberta dos antibióticos foi um ponto de mudança na história da humanidade, eles revolucionaram a medicina em muitos aspectos. Infelizmente, o uso dessas drogas tem sido acompanhado por um rápido aparecimento de cepas de bactérias resistentes. O desenvolvimento de gerações de micro-organismos resistentes aos antibióticos e sua ampla distribuição na bioesfera são o resultado do processo de pressão seletiva, aplicada de forma incessante pelos seres humanos via subutilização, uso excessivo e mau uso. Desde 1940, antibióticos para uso humano têm sido fabricados, utilizados clinicamente, liberados no meio ambiente e amplamente disseminados de forma crescente, proporcionando a manutenção constante da pressão de seleção para as cepas resistentes. As bactérias podem se movimentar facilmente de pessoa para pessoa e de país para país. Assim, os países e as pessoas em todo o mundo tornaram-se parte de uma ecologia microbiana global, difundindo e compartilhando as consequências da resistência microbiana.

Uma ampla variedade de mecanismos podem ser responsáveis pela resistência bacteriana aos antibióticos. O termo “superbactéria” refere-se às bactérias com maior morbidade e mortalidade, devido aos altos níveis de resistência às classes de antibióticos recomendadas para o seu tratamento. Quando as opções de tratamento com antibióticos de primeira linha e de segunda linha são limitados pelas resistências ou não estão disponíveis, os profissionais de saúde são forçados a utilizar antibióticos que podem ser mais tóxicos para o paciente e, frequentemente, mais caros e menos eficazes.

Alguns mecanismos de resistência bacterianos tem como alvo direto o antibiótico, como as enzimas beta-lactamases, que destroem antibióticos como as penicilinas e cefalosporinas. As enzimas beta-lactamases são um dos principais mecanismos de resistência que são disseminados entre as bactérias. Outros mecanismos de resistência tem como alvo o mecanismo de transporte da droga, por exemplo, uma bomba de efluxo ativo medeia a resistência aos antibióticos tetraciclinas e fluoroquinolonas, expulsando-os da célula bacteriana. Um terceiro mecanismo altera o alvo do antibiótico (como o ribossomo e proteínas envolvidas na replicação do DNA), não permitindo que ele iniba uma função vital para a célula bacteriana, que ocasionaria a sua morte.

resistência bacteriana

Fonte: Levy; Marshall, 2004.

A troca de genes é uma propriedade universal das bactérias. Genes de resistência, que codificam por exemplo as enzimas beta-lactamases, podem ser transmitidos de uma bactéria para outra através de vários mecanismos, tais como plasmídeos, bacteriófagos ou transposons de DNA.

resistência bacteriana 2

Fonte: Levy; Marshall, 2004.

A transferência horizontal de genes tem ocorrido ao longo da história evolutiva bacteriana, mas nada pode ser comparado com o fenômeno do desenvolvimento e transferência da resistência aos antibióticos ocorrido no último século.

Devido a essa intensa troca de genes de resistência surgiram bactérias que podem ser resistentes a todos os antibióticos disponíveis. O termo multirresistência ou resistência multidroga (MDR, do inglês multi-drug-resistant) é utilizado para designar a resistência a três ou mais classes de antibióticos. Resistência extensiva (XDR, do inglês extensively-drug-resistant) é utilizado quando há resistência a todos os antibióticos, com exceção de um ou dois. O termo pan-resistência (PDR, do inglês pan-drug-resistant) é aplicado para designar a resistência a todos os antibióticos.

O CDC (Centers for Control Disease and Prevention), nos Estados Unidos, fornece um sistema para rastreamento de infecções relacionadas à assistência à saúde decorrentes de micro-organismos resistentes aos antibióticos, que proporciona o conhecimento de padrões de infecções nos níveis nacional, regional e local, além de fornecer apoio laboratorial. Em 2013 o CDC publicou um importante documento (em inglês, Antibiotic Resistance Threats in the United States, 2013) que trata das principais ameaças relativas à resistência bacteriana para os Estados Unidos, mas que traz pontos importantes também para países em desenvolvimento, como o Brasil. O CDC apresenta quatro ações fundamentais para combater infecções por micro-organismos resistentes, que necessitam de rápida adoção:

  • Prevenção de infecções e da propagação da resistência;
  • Rastreamento de bactérias resistentes;
  • Melhorar o uso de antibióticos disponíveis no mercado;
  • Promover o desenvolvimento de novos antibióticos e de novos testes de diagnóstico para bactérias resistentes.

A complexidade dos processos que contribuem para o surgimento e disseminação de resistência não pode ser subestimada e a falta de conhecimento básico sobre o assunto é uma das principais razões para que se tenha tido pouco êxito na prevenção e controle do desenvolvimento das resistências.

Caso queira saber mais sobre esse assunto, as informações relativas a esse blog post estão disponíveis nos artigos científicos disponíveis abaixo.


 

  1. Blair, J. M. A.; Webber, M. A.; Baylay, A. J.; Ogbolu, D. O.; Piddock, L. J. V. Molecular mechanisms of antibiotic resistance. Nature Reviews Microbiology. 2015 Jan;13(1):42-51.
  2. CDC. Centers for Disease Control and Prevention. Antibiotic resistance threats in the United States, 2013, 2013.
  3. Leonard, D. A.; Bonomo, R. A.; Powers, R. A. Class D beta-lactamases: a reappraisal after five decades. Accounts Of Chemical Research, 2013 19;46(11):2407-15.
  4. Laxminarayan, R.; Duse, A.; Wattal, C.; Zaidi, A. K. M.; Wertheim, H. F. L. et al. Antibiotic resistance – the need for global solutions. Lancet Infection Diseases. 2013 Dec;13(12):1057-98.
  5. Magiorakos, A. P.; Srinivasan, A.; Carey, R. B.; Carmeli, Y.; Falagas, M. E. et al. Multidrug-resistant, extensively drug-resistant and pandrug-resistant bacteria: an international expert proposal for interim standard definitions for acquired resistance. Clinical Microbiology and Infection. 2012 Mar;18(3):268-81.
  6. Durante-Mangoni, E.; Zarrilli, R. Global spread of drug-resistant. Future Microbiology. 2011 6(4), 407–422.
  7. Davies, J.; Davies, D. Origins and evolution of antibiotic resistance. Microbiology and Molecular Biology Reviews. 2010 74(3), 417–33.
  8. Alekshun, M. N.; Levy, S. B. Molecular Mechanisms of Antibacterial Multidrug Resistance. Cell. 2007 Mar 23;128(6):1037-50.
  9. Levy, S. B.; Marshall, B. Antibacterial resistance worldwide: causes, challenges and responses. Nature Medicine, 10(12), S122–9, 2004.

 


Sobre a autora: Aline Sereia é doutoranda do Programa de Pós Graduação em Biotecnologia (Universidade Federal de Santa Catarina, UFSC). Mestre em Biotecnologia na área de concentração Biotecnologia Aplicada à Saúde (UFSC, 2009), Bióloga pela Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (2006). Atua como pesquisadora e coordenadora técnica da área da saúde na Neoprospecta Microbiome Technologies.