Eliminar os micro-organismos muda o sabor do café.

 

É isso mesmo que você acabou de ler, se eliminarmos os micro-organismos não teremos o café saboroso que estamos acostumados a tomar. 

 

Mas calma, os micro-organismos de que estamos falando são benéficos para a produção de alimentos, que são utilizados há séculos para melhorar a qualidade dos produtos. Na produção de café não seria diferente, existem diferentes espécies de bactérias e fungos que estão presentes em todo o processo de produção. 

 

Esses micro-organismos contribuem para o desenvolvimento de sabores e aromas únicos que tornam cada tipo de café distinto. Além das características sensoriais, eles são importantes desde o crescimento inicial dos pés de café até o desenvolvimento de novos produtos.

 

Micro-organismos benéficos no café: Quais são?

Nesse artigo você encontrará os principais micro-organismos e a sua função na produção do café.

 

Micro-organismos no plantio

Na etapa de campo, os micro-organismos benéficos contribuem para a produção de café promovendo a saúde do solo. Muitas bactérias e fungos auxiliam na decomposição da matéria orgânica do solo, liberando nutrientes essenciais para que mudas de café prosperem e cresçam adequadamente na produção em larga escala. 

 

Algumas bactérias fixadoras de nitrogênio apresentam relação simbiótica com as raízes do cafeeiro. Essas bactérias convertem o nitrogênio atmosférico para que as plantas de café possam usá-lo, reduzindo a necessidade de fertilizantes sintéticos. Os fungos micorrizas, também atuam nas raízes do cafeeiro, ajudando-os a absorver os nutrientes do solo, além de melhorar a resistência da planta a doenças e estresse.

 

Outros micro-organismos também podem auxiliar na prevenção de doenças transmitidas pelo solo, e que podem danificar as lavouras de café. A exemplo, a doença ferrugem da folha (uma doença fúngica) que é capaz de reduzir o rendimento da colheita em até 50%

 

Silva & colaboradores (2012) avaliaram o potencial de 234 cepas de bactérias endofíticas no controle da ferrugem do cafeeiro (Hemileia vastatrix). Os autores relataram que cepas de Brevibacillus choshinensis, S. enterica, Pectobacterium carotovorum, Bacillus megaterium, Microbacterium testaceum e Cedecea davisae reduziram significativamente a gravidade da doença quando aplicados 72 ou 24  h antes do desafio com o patógeno.  

 

Micro-organismos na fermentação do café

Após a colheita, os grãos de café são processados para remover as suas várias camadas, e depois passam por um processo de fermentação induzida. É nesta etapa que os micro-organismos benéficos atuam ativamente.

 

Leveduras e bactérias desempenham um papel importante no processo de fermentação do café, degradando a mucilagem, produzindo diferentes enzimas (pectinase), ácidos e álcoois. Esse processo também auxilia na remoção das camadas externas do grão de café, que influenciam no seu sabor e aroma.

 

Acinetobacter, por exemplo, é uma das bactérias benéficas responsáveis por converter os açúcares presentes nos grãos em ácidos orgânicos, como o ácido acético, que confere sabor ao café. Os Lactobacillus auxiliam na quebra de açúcares complexos presentes nos grãos em açúcares simples, produzindo ácido láctico, que contribui para a acidez e doçura do café.

 

Os micro-organismos também podem contribuir para o desenvolvimento de compostos aromáticos durante o processo de fermentação. Por exemplo, certas cepas de bactérias que produzem compostos orgânicos voláteis (VOCs) contribuem para o aroma do café.

 

Outras bactérias, leveduras e fungos filamentosos estão relacionados ao processo fermentativo do café. Silva & colaboradores (2008) relataram em investigação do microbioma natural da fermentação de café que 85,5% da sua composição correspondia a bactérias Gram-positivas, especialmente Bacillus. Entre outras gêneros que o autor detectou estavam Serratia, Enterobacter, Acinetobacter, Debaryomyces, Pichia, Candida, Aspergillus, Penicillium, Fusarium e Cladosporium.

 

O processo de fermentação é facilitado por enzimas que ocorrem naturalmente no fruto do café e pela microflora adquirida do meio ambiente. Mas, se quisermos acelerar esse processo?

 

Cultura starter é uma solução

 

O desenvolvimento da cultura starter é realizado por meio da seleção de micro-organismos que possuam características específicas, como capacidade de degradação da mucilagem, tolerância ao estresse durante a fermentação, capacidade de suprimir o crescimento de fungos patogênicos e impacto positivo na qualidade sensorial do café. 

 

Em estudo realizado por Agate & Bhat (1996), a adição de uma cultura iniciadora formada por três espécies de Saccharomyces (S. marxianus, S. bayanus e S. cerevisiae var.ellipsoideus) facilitou o processo de fermentação acelerando a degradação da camada de mucilagem.

 

Ao apoiar o uso de cultura starter e ampliar a funcionalidade dos micro-organismos, podemos garantir que a agilidade do processo fermentativo seja aliada da indústria de café, assegurar a qualidade e as características sensoriais do produto final. 

 

O uso de micro-organismos benéficos se estende além das etapas de produção do café e são utilizados também no desenvolvimento de novos produtos

 

Desenvolvimento de novos produtos 

 

Demito (2019) relatou um novo uso para os micro-organismos benéficos do café. Após caracterização molecular dos micro-organismos produtores de aromas em café fermentado, o autor relatou o isolamento de cepas que podem ser usadas para incrementar os produtos finais de café é a adição de bioaromas produzidos por fungos. Entre os micro-organismos identificados pelo autor estavam: Geotrichum candidum, Galactomyces candidus, Pichia membranifaciens, Pichia kudriavzevii e Pichia fermentans. 

 

Outro produto é o Café kombucha, já ouviu falar?

A kombucha é uma bebida probiótica obtida a partir da fermentação de chá (verde ou preto). Usando café como base em vez de chá, pode-se criar kombucha de café, que pode ter um perfil de sabor único e oferecer benefícios adicionais à saúde. No entanto, como o café possui uma quantidade de cafeína muito mais alta do que o chá, a fermentação ocorre mais rapidamente, o que faz com que o Café kombucha tenha um sabor mais ácido e amargo. 

 

Os micro-organismos benéficos do café podem ser usados para criar novos produtos, manipulando suas vias metabólicas e processos de fermentação. Ao entender as interações entre micro-organismos e grãos de café durante toda a sua produção, os produtores de café podem criar perfis únicos de sabor e aroma que diferenciam seus produtos em um mercado lotado.

 

Estes são apenas alguns exemplos em que os micro-organismos são usados de forma benéfica na produção de café. É importante ressaltar que cada tipo de café, Arábica e Robusta, por exemplo, apresentam composição diferente e consequentemente o seu microbioma pode ser composto por espécies distintas de micro-organismos. Essa diferença permite que novos processos biotecnológicos sejam descobertos e implementados a partir dos micro-organismos benéficos do café. 

 

Referências

Agate, A.D. and Bhat, J.V.; “Role of pectinolytic yeasts in the degradation of mucilage layer of Coffea robusta cherries,” Applied Microbiology, vol. 14, no. 12, pp. 256–260, 1966. 

Demito, M.L. Caracterização molecular dos microrganismos produtores de aromas em cafés fermentados. Dissertação de mestrado em Biotecnologia- UTFP. 2019. Acesso em: https://repositorio.utfpr.edu.br/jspui/bitstream/1/4403/1/PG_PPGEP_M_Demito%2C%20Matheus%20Lopes_2019.pdf

Silva, C.F.; Batista, L.R.; Abreu, L.M.; Dias, E.S.; Schwan, R.F.; Succession of bacterial and fungal communities during natural coffee (Coffea arabica) fermentation. Food Microbiology. Vol. 25,  Pag. 951-957, 2008. Acesso em: https://doi.org/10.1016/j.fm.2008.07.003

Silva, H.S.A.; Tozzi, J.P.L.; Terrasan, C.R.F.; Bettiol, W.;   Endophytic microorganisms from coffee tissues as plant growth promoters and biocontrol agents of coffee leaf rust. Biological Control. Vol. 63, Pag.  62-67, 2012. Acesso em: https://doi.org/10.1016/j.biocontrol.2012.06.005

Autora

Camila M. M. Ferro
Doutora em Engenharia de Alimentos e especialista em vigilância sanitária. Atualmente é conteudista da Neoprospecta