O monitoramento do esgoto tem se mostrado uma excelente ferramenta epidemiológica, permitindo a prevenção e o controle da disseminação de doenças. Diversos estudos envolvendo a avaliação de esgotos, mostram que o vírus SARS-CoV-2 já circulava na população antes mesmo dos primeiros casos da COVID-19 serem notificados.

 

Identificação do vírus SARS-CoV-2 em esgoto

Diversos estudos mostram a presença do vírus SARS-CoV-2, responsável pela COVID-19, em esgotos. Dados ressaltam que o vírus é eliminado nas fezes de pessoas infectadas, podendo ser excretado por um período até mais longo quando comparado a excreção pela via respiratória. Embora não se saiba a viabilidade deste vírus quando eliminado nas fezes, bem como a possibilidade de contaminação pela via fecal-oral, esta informação é de grande valia dentro do âmbito científico.

Um estudo realizado na Holanda e publicado na revista The Lancet trouxe dados sobre análises realizadas em águas residuais coletadas em um aeroporto de Amsterdã. Os testes foram realizados utilizando RT-PCR e detectaram o material genético do vírus logo após os primeiros casos da doença notificados na Holanda. O estudo levanta a importância do acompanhamento das águas residuais, servindo como uma ferramenta de alerta precoce de surtos virais. Além disso, este acompanhamento serviria como vigilância ambiental para o novo coronavírus, fornecendo dados sobre a circulação viral na população. Esta ferramenta já vem sendo utilizada na identificação de outros vírus.

De acordo com uma pesquisa recente, em algumas cidades italianas o vírus SARS-CoV-2 já circulava desde dezembro de 2019, sendo que o primeiro caso da COVID-19 na Itália foi notificado apenas em fevereiro. A detecção do vírus foi feita em água de esgoto, analisada pelo Instituto Superior de Saúde. 

 

Identificação do vírus SARS-CoV-2 em esgoto no Brasil

Uma pesquisa recente, liderada pela Prof. Dra. Gislaine Fongaro, especialista em virologia e convidada dos NeoCasts da edição especial COVID-19, envolve a detecção do vírus SARS-CoV-2 no esgoto de Florianópolis/SC.

O estudo avaliou o esgoto da cidade desde outubro de 2019 e detectou a presença do vírus em meados de novembro de 2019, cerca de dois meses antes dos primeiros relatos da COVID-19 no continente e 3 meses antes dos primeiros casos no Brasil.

Este fato demonstra que o vírus SARS-CoV-2 já circulava silenciosamente no país meses antes da COVID-19 ser declarada uma pandemia. A carga viral encontrada nas amostras se manteve constante até março de 2020, quando passou a subir. Esta subida coincide com os primeiros relatos da doença no estado.

O estudo reforça a importância do monitoramento de águas residuais e esgotos para avaliação do vírus SARS-CoV-2. Esta ferramenta anteciparia potenciais surtos epidemiológicos e auxiliaria profissionais da saúde na definição de medidas de proteção e controle. 

 

Avaliação do esgoto e monitoramento populacional

A identificação precoce das doenças em circulação permite sua prevenção e que ações de intervenção e controle sejam tomadas. A estratégia conhecida como Wastewater-Based Epidemiology (WBE), ou seja, a epidemiologia baseada em água residuais (esgoto), tem sido utilizada para uma série de estratégias envolvendo o monitoramento populacional, entre elas, a identificação de doenças infecciosas.

Este sistema é considerado uma ferramenta complementar aos sistemas de vigilância de doenças infecciosas, além de servir de alerta para a identificação precoce de surtos. Com a chegada da COVID-19, este sistema se tornou ainda mais visado.  Ele permite acompanhar a tendência da doença de uma forma rápida, além de funcionar como um grande pool populacional.

O uso do esgoto para monitoramento ambiental e populacional ainda deve ser muito estudado, porém, diversos motivos justificam seu uso. Entre eles: a identificação de curvas de contágio, o reconhecimento de comunidades infectadas, a análise da contribuição dos portadores assintomáticos na disseminação viral, a criação de sistema para alerta da presença de cargas virais, o desenvolvimento de mapas de contágio, a criação de campanhas de conscientização, e em breve, a avaliação da eficácia da vacina contra o vírus SARS-CoV-2. 

 

Referências

SODRÉ, F. F. et al. Epidemiologia do esgoto como estratégia para monitoramento comunitário, mapeamento de focos emergentes e elaboração de sistema de alerta rápido para COVID-19. Química Nova, v. 43, n. 4, p. 515-519, 2020.

FONGARO, G. et al. SARS-CoV-2 in human sewage in Santa Catalina, Brazil, November 2019. MedRxiv, 2020.

LODDER, W. SARS-CoV-2 in wastewater: potential health risk, but also data source. The Lancet, v. 5, p. 533-534, 2020.

Novo coronavírus já estava presente em esgoto na Itália dois meses antes de registro oficial. G1, 19 de jun de 2020. Disponível em: <https://g1.globo.com/jornal-nacional/noticia/2020/06/19/novo-coronavirus-ja-estava-presente-em-esgoto-na-italia-dois-meses-antes-de-registro-oficial.ghtml>. Acesso em: 2 de jul de 2020.