Bactéria ácido lática (BAL) é difundida ao longo da história como um importante micro-organismo presente naturalmente em alguns alimentos, e utilizada na indústria de produtos fermentados.

BAL é formada por um diversificado grupo de bactérias que está distribuído na natureza em produtos de origem láctea (fermentação), carne e vegetal, trato gastrointestinal de humanos e animais, água e solo (Liu et al., 2014). Essas bactérias são capazes de converter substratos em ácidos orgânicos e produzir uma ampla gama de metabólitos.

As interessantes propriedades benéficas das BAL impulsionam o seu uso como cultura iniciadora de processos fermentativos e como probiótico.

Bactéria ácido lática com ação probiótica

Algumas linhagens de BAL são utilizadas na produção de alimentos probióticos para auxiliar na saúde e bem-estar dos consumidores. A concentração e o tipo de linhagem da bactéria devem ser determinados para que o produto seja considerado probiótico, possibilitando sua atuação benéfica à saúde.

Os requisitos necessários para autorizar o uso de uma linhagem de micro-organismo como probiótico são determinados pela Anvisa na Resolução da Diretoria Colegiada (RDC) 241/2018. Confira AQUI as linhagens de BAL autorizadas pela ANVISA.

Bintsis (2018) relatou que estirpes de Lactobacillus spp., Bifidobacterium spp. e Propionibacterium spp. Lactobacillus acidophilus, Lactobacillus casei, Lb. reuteri, Lactobacillus rhamnosus e Lb. plantarum são as BALs mais utilizadas em alimentos funcionais contendo probióticos.

A ação benéfica à saúde promovida pelo uso de BAL pode variar de acordo com as espécies e cepas, sendo um desafio para a indústria o uso de culturas compostas por mais de uma espécie. Avaliações genômicas das diferentes espécies de BAL tem auxiliado pesquisadores a escolher a BAL ideal e com atividade probiótica adequada para o desenvolvimento dos alimentos.

 

Cultura iniciadora

As BALs são ingredientes-chave de iniciadores de cultura nas indústrias alimentícias para produzir aroma, sabor, textura, cor e prolongar a vida útil.

Uma grande variedade de alimentos são produzidos a partir de culturas iniciadas pelas BALs, como: produtos lácteos (queijo, iogurte, leites fermentados), outros produtos fermentados de carne, peixe e produtos hortícolas em conserva, como a azeitona.

Anteriormente, esses produtos eram produzidos a partir de backslopping, técnica de fermentação que utiliza uma pequena quantidade do fermentado anterior como matéria-prima da próxima etapa de fermentação. No entanto, com essa técnica havia uma grande variação nas características do produto, devido a modificação gradativa das estirpes.

O uso de BALs como cultura iniciadora permite, a partir de uma cultura selecionada e bem definida, padronizar o processo, e consequentemente, as características do produto final.

 

Produção de alimentos fermentados

Na produção dos alimentos, as BALs fermentam os carboidratos dos alimentos e produzem ácido lático como principal produto da fermentação. Outros produtos fornecidos neste processo estão associados ao desenvolvimento de sabor, textura e valor nutricional em diferentes produtos alimentícios fermentados.

As bactérias lácticas utilizadas na fermentação de alimentos são capazes de inibir ou reduzir a contaminação por micro-organismos deteriorantes e/ou patogênicos, por meio da produção de vários agentes antimicrobianos.

 

Biopreservação de alimentos

BALs são amplamente utilizadas em fermentações convencionais de alimentos desde os tempos antigos e consideradas como GRAS (Geralmente reconhecidas como seguras) pelo FDA (Food and Drug Agency).

De acordo com Pawlowska et al. (2012), diversas BALs produzem ácidos orgânicos, ácidos graxos, ácidos carboxílicos e peptídeos bioativos. Essas substâncias são consideradas “conservantes verdes” devido ao seu potencial em retardar a contaminação fúngica em alimentos.

Fungos como Aspergillus, Penicillium e Fusarium, por exemplo, estão associados a deterioração pós-colheita e a toxicidade de produtos alimentícios (grãos, vegetais, etc), resultando em enormes perdas econômicas globalmente.

Em estudo de revisão, Bangar et al. (2021) abordaram os desenvolvimentos recentes em aplicações de bactérias láticas contra a produção de micotoxinas e contaminação fúngica em alimentos. Vejo os alimentos listados pelos autores como promissores ao uso de BALs como estratégia antifúngica:

↠ Laticínios: nata, queijo, iogurte e leite

↠ Frutas e vegetais: molho de tomate, melão e uva

↠ Grãos de cereais: milho, sorgo e trigo

↠ Produtos de confeitaria: pão, vinho de arroz, fermento para pão

↠ Oleaginosas: nozes, amêndoas, amendoim

↠ Produtos cárneos: salsicha fermentada, presunto

 

Biossurfactante para a indústria

A produção de biossurfactantes por cepas de BAL tem chamado atenção dos pesquisadores, por serem GRAS e por sua funcionalidade e natureza química (compostos proteicos, glicolipídeos e glicoproteínas).

Para caracterizar e de fato utilizar o biossurfactante de BAL, o processo de produção inclui várias operações unitárias que vão desde métodos de triagem da cepa até a caracterização do composto biossurfactante.

De acordo com Mouafo et al. (2022), os biossurfactantes de BAL podem ser usados na indústria de alimentos como: bioconservante alimentar, emulsificante, espessante, antiadesivo e antibiofilme.

As diferentes aplicações de BAL na indústria podem variar de acordo com a cepa utilizada, bem como as características desejadas para o produto final. Por isso é importante utilizar a cultura de BAL selecionada e que atenda a todos os requisitos exigidos pela ANVISA.

Apesar desses benefícios, em alguns processos as BALs são conhecidas como “vilãs”, ocasionando contaminação e modificações sensoriais, como no caso da produção de cerveja, vinho, produtos cárneos, entre outros.

Confira as principais modificações ocasionadas por BAL em alimentos no post Bactéria ácido lática, será uma vilã para a indústria?

 

Referências

Bangar, S.P.; Sharma, N.; Kumar, M.;Ozogul, F.; Purewal, S.S.; Trif, M.; Recent developments in applications of lactic acid bacteria against mycotoxin production and fungal contamination. Food Bioscience. V. 44, Part B, 101444, 2021. https://doi.org/10.1016/j.fbio.2021.101444

Bintsis T. Lactic acid bacteria: their applications in foods. J Bacteriol Mycol Open Access. 2018;6(2):89–94. DOI: 10.15406/jbmoa.2018.06.00182

FERNANDES, E. N. et al. Enumeração e atividade antagonista de bactérias ácido láticas isoladas de iogurtes brasileiros. Revista Científica Univiçosa, Viçosa, v.7, 2015.

Liu, W., Pang, H., Zhang, H., e Cai, Y. (2014). “Biodiversidade de bactérias lácticas”, em Lactic Acid Bacteria , eds H. Zhang e Y. Cai (Dordrecht: Springer), 103–203. doi: 10.1007/978-94-017-8841-0_2

Mouafo, H.T.; Sokamte, A.T.; Mbawala, A.; Ndjouenkeu, R.; Devappa, S.; Biosurfactants from lactic acid bacteria: A critical review on production, extraction, structural characterization and food application. Food Bioscience; V. 46, 2022. https://doi.org/10.1016/j.fbio.2022.101598

Pawlowska, A.M.; Zannini, E.; Coffey, A.; Arendt. E.K.; “Green preservatives”: Combating fungi in the food and feed industry by applying antifungal lactic acid bacteria. Advances in Food & Nutrition Research, V.66, pp. 217-238,  2012.