O controle qualidade, em especial o controle microbiológico, é um ponto decisivo para garantia da segurança e eficácia do produto farmacêutico. Diferentes técnicas podem ser usadas no controle microbiológico. As técnicas tradicionais são consideradas úteis e eficientes, com destaque para os métodos alternativos e as técnicas de biologia molecular tornaram-se o “padrão ouro” para a identificação microbiológica rápida e precisa.

 

O controle microbiológico na Industria Farmacêutica deve ser realizado por meio de avaliações de risco em cada etapa do processo produtivo. Os métodos utilizados devem ser descritos em Farmacopéias ou pela Organização Mundial da Saúde (OMS)1,2.

Para métodos validados, por Farmacopéia ou OMS, ainda é necessário que o laboratório responsável pelas análises demonstre que ele é adequado ao objetivo específico. Caso o método escolhido não seja validado, o laboratório deve realizar essa validação, determinando sua exatidão, precisão, linearidade, especificidade, robustez, limite de quantificação e detecção2.

 

Adequação dos métodos utilizados no controle microbiológico

É necessário que a indústria farmacêutica apresente o teste de adequação do método utilizado no controle microbiológico. Para isso, o produto é submetido a um desafio (como a adição de contaminantes bacterianos citados nas farmacopéias) e os microrganismos presentes na amostra são utilizados como controles positivos, para comprovar que a matriz do produto não interfere nos resultados da análise microbiológica1.

O teste de adequação precisa mimetizar o processo de preparo da amostra, as condições de incubação, o tipo de meio de cultura e as soluções tampão utilizados. Também é preciso comprovar que o método escolhido é exato, viável, sensível e confiável. E caso ocorra alguma modificação no teste de adequação, é preciso revalidá-lo1.

 

Técnicas empregadas no controle microbiológico

Diferentes técnicas podem ser usadas no controle microbiológico. As técnicas tradicionais são consideradas úteis e eficientes, com destaque para os métodos alternativos (ou métodos microbiológicos rápidos) que são cada vez mais aceitos por órgãos reguladores como Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA) e o Food and Drug Administration (FDA)3.

Os testes clássicos como fermentação, oxidação, degradação e hidrólise de substratos são, em sua maioria, incorporados a testes comerciais ou testes bioquímicos automatizados e apresentam menores custos e maior conveniência4.

Dentre os métodos bioquímicos mais usados pela indústria farmacêutica estão a metodologia manual das galerias API (Índice de Perfil Analítico) e a metodologia automatizada do sistema VITEK. Ambos são testes rápidos e simples, facilmente inseridos nos laboratórios de análises microbiológicas3,4.

As galerias API baseiam-se no conceito de identificação numérica de microrganismos, onde reações bioquímicas ocorrem em pequenas tiras e alterações na coloração definem um perfil numérico. Em seguida, um programa interpreta esse perfil, permitindo identificar até 600 espécies de bactérias e leveduras4. Já o sistema VITEK é um método baseado em tecnologia colorimétrica, totalmente automatizado, que permite a identificação de bactérias e leveduras por meio de testes bioquímicos3,4.

Também podem ser utilizadas a espectrometria de massa MALDI-TOF, um método rápido, preciso e com custo reduzido, que identifica o gênero e espécie de microrganismos em poucos minutos, baseado na massa e carga dos íons (Figura 1).

Figura 1: Técnica de MALD-TOF: Preparação da amostra até a apresentação do gráfico. Fonte da imagem: http://www.biomedicinaemacao.com.br/2013/11/maldi-tof-nova-tecnologia-no.html

Há ainda a Espectroscopia Raman que permite a caracterização e identificação de bactérias, fungos e leveduras, em nível de espécie e subespécie, uma vez que cada microrganismo produz um espectro único. E também a espectroscopia no infravermelho por transformada de Fourier (FTIR) que possui características semelhantes a técnica de Raman, e também é considerada um método simples e de baixo custo4.

 

A biologia molecular e o controle microbiológico

Atualmente, as técnicas moleculares permitem a identificação dos microrganismos a partir do seu DNA ou RNA. Um exemplo de técnica comumente usada é a PCR em tempo real que amplifica fragmentos específicos do DNA dos microrganismos, identificando a presença e a quantidade desses patógenos na amostra de forma rápida e precisa4. O gene 16S rRNA, altamente conservado entre as espécies, é um dos principais marcadores moleculares utilizados, sendo considerado o “padrão ouro” pois permite a identificação de bactérias com fenótipos raros, de crescimento lento e não-cultiváveis5,6.

Outra técnica molecular empregada é o sequenciamento de DNA conhecido como NGS (Next Generation Sequencing ou Sequenciamento de nova Geração). A identificação das sequências de ácidos nucleicos do microrganismo, associado a biologia computacional, possibilita que bilhões de nucleotídeos presentes nos fragmentos de DNA sejam sequenciados simultaneamente. Para mais detalhes assista ao vídeo.

O NGS permite até mesmo a identificação de microrganismos não cultiváveis (que correspondem mais de 90% dos microrganismos), e pode ser realizado de forma rápida e com custos cada vez menores. Essas vantagens tornam a técnica extremamente útil para a indústria farmacêutica7. Veja como o NGS pode ser aplicado

Os avanços biotecnológicos tornaram as análises microbiológicas mais robustas e com custo cada vez menor. E as técnicas de biologia molecular tornaram-se o “padrão ouro” para a identificação microbiológica rápida e precisa, uma característica essencial para a indústria farmacêutica.

 

Referências

1. Hirai, CK. Qualidade microbiológica dos produtos farmacêuticos. Revista Analytica. Disponível em: https://revistaanalytica.com.br/qualidade-microbiologica-dos-produtos-farmaceuticos/

2. Organização Pan-Americana de Saúde. Boas práticas da OMS para laboratórios de microbiologia farmacêutica. Organização Mundial da Saúde, 2013. Disponível em: https://www.paho.org/hq/dmdocuments/2013/Red-PARF-No11-Port.pdf

3. Souza, JC. Controle de qualidade microbiológico de medicamentos estéreis. Instituto de Tecnologia em Fármacos- Farmanguinhos, FIOCRUZ, 2019. Disponível em: https://www.arca.fiocruz.br/bitstream/icict/37092/2/JaquelineCarvalhoDeSouza_TCC_TIF_2019.pdf

4. Ferreira, JA. Detecção e identificação rápidas dos principais contaminantes microbiológicos em fármacos por espetroscopia de infravermelho. Universidade de Lisboa, 2017. Disponível em: https://repositorio.ul.pt/handle/10451/28840?locale=pt_PT4 

5. Stamatoski, B., Ilievska, M., Babunovska, H., et al. Optimized genotyping method for identification of bacterial contaminants in pharmaceutical industry. Acta Pharm. 66,289–295, 2016. Disponível em: https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/27279071/

6. Rei, APF. O papel da microbiologia no desenvolvimento farmacêutico. Universidade de Aveiro, 2012. Disponível em: https://ria.ua.pt/bitstream/10773/9747/1/disserta%C3%A7%C3%A3o.pdf

7. Freitas, A. & Pinto, HB. Sequenciamento NGS: Status e Perspectivas. Revista Brasileira de Bioinformática, 2021. Disponível em: https://bioinfo.com.br/sequenciamento-ngs-status-e-perspectivas/

 

AUTORA

Bruna Pereira Lopes

Biotecnologista, Doutora em Ciências e Pós- doutorado em Fisiopatologia Clínica e Experimental. Pesquisadora e docente nas áreas de fisiologia, biologia molecular e metabolismo. Experiência em produção e revisão de conteúdo e divulgação científica.