Atualizado em: 16.08.22

Para pessoas que costumam comer alimentos processados, laticínios e carnes mal passadas, a Listeria monocytogenes pode apresentar um grande risco. Essa bactéria é causadora da listeriose, doença que tem uma taxa de mortalidade de 30% e afeta principalmente crianças, grávidas e idosos. Ela é encontrada nos mais variados alimentos, estando principalmente em laticínios e carnes. Além disso, esse micro-organismo é capaz de sobreviver às mais adversas condições, tornando sua eliminação difícil.

Em janeiro de 2018, a empresa americana Fieldbrook Foods Corp. precisou realizar um recall de diversos sorvetes e picolés produzidos no ano de 2017. O motivo? Contaminação por Listeria monocytogenes, um dos patógenos de alimentos mais perigoso da atualidade.

Surtos de listeriose já foram relatados em diversos países, como Estados Unidos, Canadá e Brasil. A África do sul, por exemplo, enfrentou um dos maiores caso de listeriose do mundo, no qual foram registrados 800 casos e pelo menos 80 mortes entre 2017 e 2018.

 

Listeria monocytogenes: Por que tão perigosa?

Descoberta em 1924, a bactéria Listeria monocytogenes é um pequeno bacilo gram-positivo causador da doença listeriose em humanos. Ela pode ser contraída através do solo, estrume, carrapatos, água e alimentos. Entretanto, nem todas as pessoas expostas contraem a doença.

Essa bactéria é considerada um micro-organismo oportunista, pois a ocorrência da infecção depende principalmente das condições imunológicas dos afetados. Em virtude disso, os indivíduos mais suscetíveis à listeriose são crianças, mulheres grávidas e o feto, indivíduos imunodeficientes e idosos.

Os sintomas dessa doença são febre, dores de cabeça, náusea e diarreia, e podem levar até 3 meses para se manifestarem. Porém, se a infecção atingir as meninges, pode causar torcicolo, confusão mental, tontura e até convulsões.

A listeriose é responsável por cerca de 2500 casos por ano nos Estados Unidos, sendo 500 destes fatais. Apesar de possuir uma baixa morbidade – que nos EUA a incidência anual é de 2 a 10 casos cada 10 milhões de pessoas, e na União Europeia 2 a 5 casos a cada milhão – esta doença possui uma alta mortalidade, chegando a ser de aproximadamente 30% nos Estados Unidos.

 

Sobrevivência: um poder silencioso

Diferente de outros patógenos alimentares, como a Salmonella, a Listeria possui características peculiares que a tornam excepcionalmente difícil de eliminar. Ela pode sobreviver em uma faixa de temperatura que vai de -1,5 a 45°C, fazendo com que sobreviva e se reproduza sobre refrigeração, e até mesmo em congelamento.

Outra vantagem adaptativa que este micro-organismo possui é o de tolerar uma grande faixa de pH, sobrevivendo em condições relativamente ácidas e tolerando um pH de até 9,6, e ser razoavelmente resistente à condições salinas, podendo crescer em até 14% de cloreto de sódio.

Além disso, a L. monocytogenes consegue sobreviver por um longo período de tempo em atividades de água de até 0,90, o que, comparado a outros micro-organismos – como a Salmonella (0,92-0,95) e o Clostridium botulinum (0,95- 0,97) – é um valor extremamente baixo.

Tabela 1. Limites para o crescimento de L. monocytogenes quando as condições são próximas do ótimo. Fonte: Lado & Youssef, 2007.

 

De acordo com o US FDA (United States Food and Drug Administration), os principais alimentos alvo da Listeria são: salsicha, queijo, patê, frutos do mar e leite não pasteurizado e seus derivados. Em queijos, esse micro-organismo consegue sobreviver à fermentação e às diferentes faixas de pH atingidas, ao mesmo tempo que consegue crescer na presença de outros micro-organismos também presentes. Por outro lado, em carnes, seu crescimento é dependente do pH, temperatura de armazenamento, tipo de tecido e microflora deste, sendo bastante encontrado na superfície e no músculo.

 

Listeria e a Indústria Alimentícia

Palitos de nabo, vagem, carne, sorvetes, biscoitos, café, cream cheese e almôndegas. Todos esses produtos sofreram recall em janeiro de 2018 no Canadá e EUA devido a contaminação por Listeria.

No Brasil, em janeiro de 2018, a Anvisa proibiu a comercialização de três lotes de queijo da marca A, e leite condensado, da marca B, pelo mesmo motivo. A lei é clara: deve haver um limite microbiológico de 10² deL. monocytogenes por g de alimento pronto para o consumo, de acordo com a Instrução Normativa- IN 161 de 1º de julho de 2022, da Anvisa. Afinal, surtos de listeriose geram grandes despesas públicas e geralmente são fatais.

Entre 2007 e 2009, foram reportados 19 casos de listeriose, ambos no Rio Grande do Sul, sem óbitos registrados. Devido à subnotificação, dados mais concretos não são gerados, impossibilitando maiores estatísticas.

Dos anos 80 até 2013 foram registrados 8 surtos de listeriose no mundo possuindo mais de uma fatalidade, todos eles foram provocados por contaminação através de alimentos. O mais grave destes ocorreu na França, em 1992, devido à ingestão de língua de porco contaminada. O incidente registrou 279 afetados, com 92 mortes.

Atualmente, a África do Sul está sofrendo o maior surto da doença em todo o mundo. Já foram registrados mais de 800 casos, com pelo menos 80 mortes. Testes moleculares identificaram apenas uma cepa, a tipo 6, que está sendo responsável pela maioria das infecções. Alimentos provenientes de abatedouros, estabelecimentos de processamento de alimentos e da residência dos infectados foram analisados, mas o causador do surto não foi reportado.

 

Formas de detecção

Durante surtos de listeriose, as amostras contaminadas por Listeria podem ser obtidas a partir do líquido cérebro espinhal e do sangue. Entretanto, a grande maioria dos testes é realizado em amostras de alimentos e ambiente, como locais de preparação e armazenamento de alimentos.

Atualmente existem duas ISO vigentes sobre métodos horizontais de detecção e enumeração de Listeria, a ISO1290-1:1996, que descreve um método de detecção e a ISO 11290-2:1998, que é um método de enumeração.

Os métodos tradicionais de identificação dessa bactéria envolvem o cultivo das amostras em meio seletivo e, se o resultado for positivo, posterior quantificação. Este processo leva em média 5 dias para ser realizado. Já os métodos rápidos, que podem ser realizados em até 24 horas, envolvem a seleção com meio seletivo e a aplicação das mais diversas técnicas, como separação imunomagnética, ensaios baseados em ELISA e PCR em tempo real, por exemplo.

Para identificar a origem dos surtos por L. monocytogenes, atualmente são empregadas abordagens de biologia molecular, genômica e bioinformática. Nesses casos, é realizado o sequenciamento completo do DNA (Whole-Genome Sequencing) dos patógenos responsáveis pelo surto , a fim de avaliar a relação genética entre esses micro-organismos. Com essas informações é possível identificar a origem e as formas de disseminação do patógeno, permitindo a rápida tomada de decisão para evitar novas contaminações.

Referências

Lado B, Yousef AE (2007) Characteristics of Listeria monocytogenes important to food processors. Ch 6 In: Ryser ET, Marth EH (eds) Listeria, listeriosis and food safety. 3rd ed, CRC Press Taylor & Francis Group, Boca Raton, p. 157–213

Microchem. Testing for Listeria monocytogenes. Acesso em 4 de fevereiro de 2018. Disponível em <http://www.microchem.co.za/news/testing-for-listeria-monocytogenes/>.

FDA. Fieldbrook Foods Corporation, Announces an Extension of Voluntary Recall of Orange Cream Bars and Chocolate Coated Vanilla Ice Cream Bars for Possible Health Risk. Acesso em 4 de fevereiro de 2018. Disponível em <https://www.fda.gov/Safety/Recalls/ucm591923.htm>.
Nações Unidas.  África do Sul enfrenta ‘maior surto de listeriose do mundo’; OMS oferece apoio. Acesso em 5 de fevereiro de 2018. Disponível em <https://nacoesunidas.org/africa-do-sul-enfrenta-maior-surto-de-listeriose-do-mundo-oms-oferece-apoio/>.

FDA. Preventing Listeria Infections: What You Need to Know. Acesso em 4 de fevereiro de 2018. Disponível em <https://www.fda.gov/food/foodborneillnesscontaminants/buystoreservesafefood/ucm079667.htm>.

Food Manufacturing. Fighting Food Manufacturing Fears: How to Control & Eliminate Listeria.  Acesso em 4 de fevereiro de 2018. Disponível em <https://www.foodmanufacturing.com/article/2006/12/fighting-food-manufacturing-fears-how-control-eliminate-listeria>.

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United States Department of Agriculture. Rich Products Corporation Recalls Beef Products due to Possible Listeria Contamination. Acesso em 5 de fevereiro de 2018. Disponível em <https://www.fsis.usda.gov/wps/portal/fsis/topics/recalls-and-public-health-alerts/recall-case-archive/archive/2018/recall-006-2018-release>.

Dallas News. Company recalls frozen meatballs sold in Texas over listeria fears. Acesso em 5 de fevereiro de 2018. Disponível em <https://www.dallasnews.com/business/food-industry/2018/01/25/company-recalls-meatballs-served-texas-listeria-fears>.

Veja Abril. Anvisa proíbe lotes de queijo e uma marca de leite condensado. Acesso em 5 de fevereiro de 2018. Disponível em <https://veja.abril.com.br/saude/anvisa-proibe-lotes-de-queijo-e-uma-marca-de-leite-condensado/>.

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O Globo. Lotes de queijo são proibidos pela Anvisa por estarem contaminados. Acesso em 3 de fevereiro de 2018. Disponível em <https://oglobo.globo.com/economia/defesa-do-consumidor/lotes-de-queijos-sao-proibidos-pela-anvisa-por-estarem-contaminados-22246512>