O estufamento tardio constitui um defeito frequentemente observado nos queijos de massa semi cozida ou cozida e de maturação prolongada, como por exemplo o queijo parmesão, gruyere, emmental e Gouda.

Considerado um dos problemas “silenciosos” em queijarias, o estufamento tardio ocorre devido a produção elevada de gás no interior do queijo, ocasionada pela presença de micro-organismos. 

 

Estufamento tardio em queijo: quais micro-organismos associados?

 

Os micro-organismos mais associados a este defeito no queijo são diferentes espécies de clostridios, mas também pode-se citar o Streptococcus intermedius.

 

Bactérias formadoras de esporos do gênero Clostridium spp. têm sido apontadas como responsáveis por alterações do leite, principalmente as espécies Clostridium tyrobutyricum, C. butyricum e C. sporogenes. 

 

No leite, principal matéria-prima do queijo, os esporos de clostridium permanecem dormentes, uma vez que o ambiente não apresenta condições favoráveis para o seu crescimento. 

 

Os clostridios possuem condição de crescimento ideal na faixa de temperatura entre 32 a 37 ºC e pH entre 6,8 e 7,0. É importante salientar que essa temperatura corresponde a temperatura do leite e da massa do queijo na etapa de corte da massa e cozimento. Assim, a proliferação de clostrídios, caso eles estejam presentes na matéria prima, pode ser ativada no decorrer do processo. É por esse motivo que esse tipo de deterioração é comum em queijos de massa cozida. 

 

De acordo com a literatura, o emmental, por exemplo, é um queijo semiduro que durante a maturação pode ativar a proliferação de C. tyrobutyricum (Brandle et al., 2016). Enquanto que o estufamento tardio de queijos provolone, parmesão e prato produzidos no Brasil foram ocasionados pelo C. butyricum (Mesquita et al., 2001).

 

Particularmente a espécie de micro-organismo que levará ao estufamento tardio do queijo pode variar de acordo com a carga microbiana inicial presente na matéria-prima. Outros fatores também podem estar associados à produção dos gases, que levam ao estufamento, como teores de sal e umidade, o pH da massa, por exemplo.

 

Como os micro-organismos atuam na formação dos gases?

 

O defeito pode manifestar-se nos queijos de forma localizada ou generalizada, ou seja, em toda a peça. Este fato ocorre quando a acidez produzida pelas bactérias láticas, ou ácido lático, for destruída pelos fermentadores do lactato, como as espécies de C. tyrobutyricum, C. butyricum e C. sporogenes (Frazier, 1958).

 

Esses clostridios fermentadores de lactato também são conhecidos como bactéria ácido butírico, uma vez que são capazes de transformar lactato em butirato, acetato, H2 e CO2 (Brandle et al., 2016). A presença desses compostos é o que ocasionará o inchaço no queijo. Em geral, o estufamento se manifesta no período de 10 dias até oito semanas após a fabricação do produto. 

 

A ação de H2 e CO2 dependerá da solubilidade dessas substâncias em relação a umidade presente no queijo. No entanto, H2 é o principal responsável pelo estufamento, devido à sua baixa solubilidade nas matrizes de queijo, o que resulta na formação de fendas e rachaduras em áreas internas e macias. 

 

Além do estufamento, a fermentação butírica confere ao queijo forte odor a ranço e sabor desagradável. Dependendo do grau de deterioração ocasionado por esta fermentação, o queijo pode se tornar completamente impróprio para comercialização, resultando em perdas econômicas para a empresa. 

Outro fator a se considerar é a espessura da casca dos queijos parmesão e Emmental, que pode facilitar a retenção dos gases na massa e provocar o estufamento. Além da embalagem utilizada que pode, ou não, facilitar a expulsão dos gases formados.

 

Quais fatores favorecem o estufamento do queijo?

 

A qualidade microbiológica do leite é a “porta de entrada” da contaminação na produção de queijo. 

Mas, como esses micro-organismos contaminam o leite?

 

De acordo com Perry (2004), o gênero Clostridium, por exemplo, contamina o leite especialmente por meio da silagem de baixa qualidade usada na alimentação do gado. Mas, esse micro-organismo pode vir das fezes dos animais e da má higiene durante a ordenha.  

 

Como evitar: melhoria da qualidade do queijo

 

Diferentes etapas da produção de queijo podem ser controladas para evitar o estufamento tardio. As queijarias podem concentrar o foco em avaliação da qualidade da matéria-prima, validação, análises investigativas, controle do processo, desde o campo até o produto final, uma vez que, se o leite vier contaminado, resulta em deterioração do queijo durante etapa de maturação. 

A ação corretiva precisa ser no leite!

 

Geralmente a indústria de laticínios conta com muitos fornecedores de leite, que seguem um determinado padrão de produção e qualidade, mas ainda assim enfrentam realidades diferentes no dia-a-dia. Sendo assim, tendo em vista que uma possível contaminação do leite com espécies de Clostridium ou Streptococcus é advinda do campo, é importante que a indústria mantenha um controle de qualidade rígido da matéria prima. 

Uma vez dentro da fábrica, problemas relacionados a falhas no processo de higienização operacional e pré-operacional assim como de processamento térmico da matéria prima (pasteurização), podem contribuir para que os microrganismos de interesse não sejam eliminados, fazendo com que o estufamento precoce se manifeste, causando a deterioração do produto.

 

Além da ação preventiva em relação a matéria-prima, outras soluções podem ser tomadas no decorrer do processo produtivo como:

 

↠A adição intencional de aditivos, como nitratos/nitritos, por exemplo, já se mostrou eficiente na prevenção do estufamento tardio dos queijos provolone, parmesão e prato (Mesquita et al., 2001). No entanto, concentrações elevadas desses aditivos pode ocasionar o aparecimento de manchas vermelhas internas ou externas do queijo. 

 

Higienização adequada de utensílios, tubulações e conexões para evitar recontaminação quando não são bem limpos e sanitizados.

 

Biologia molecular como aliada das queijarias

A disseminação das plataformas ômicas e ferramentas de bioinformática permitem a investigação da comunidade microbiana associada ao queijo tanto em termos filogenéticos quanto funcionais.

A exemplo, o ensaio de Diagnóstico Microbiológico Digital (DMD) Clostridium desenvolvido pela Neoprospecta pode identificar preventivamente espécies de Clostridium presentes na matéria-prima (leite) dos diferentes fornecedores. Este ensaio também pode ser utilizado para verificar a presença de Clostridium no queijo, e comprovar se o desvio observado realmente corresponde a contaminação por este micro-organismo.

AUTORA

Catharina Costa

Cientista de Alimentos com expertise em microbiologia de alimentos, bioprocessos, focada em bactérias ácido láticas destinadas ao processo fermentativo de pães. 

 

Referências

 

Brandle, J.; Domig, K.J.; Kneifel, W.; Relevance and analysis of butyric acid producing clostridia in milk and cheese. Food Control V. 67, Pg. 96-113, 2016. Acesso em: http://dx.doi.org/10.1016/j.foodcont.2016.02.038

 

Mesquita, A. J. de; Oliveira, A. N. de; Borges, G. T.; Nicolau, E. S.; Souza, A. A. G.; Estudo quali-quantitativo da microbiota anaeróbia em amostras de queijos provolone, parmesão e prato; Ciência Animal Bras 2, 27, 2001..

 

Perry, K. S. P.; Queijos: aspectos químicos, bioquímicos e microbiológicos. Química Nova, V. 27 (2), 2004. Acesso em: https://doi.org/10.1590/S0100-40422004000200020   

 

Sobral, D.; Costa, R.G.B.; Paula, J.C.J.; Teodoro, V.A.M.; Moreira, G.M.M.; Pinto, M.S.; Major defects in artisanal Minas cheese: a review.  Rev. Inst. Laticínios Cândido Tostes, Juiz de Fora, v. 72, n. 2, p. 108-120, 2017. Access at: 10.14295/2238-6416.v72i2.600

 

Viana, L.F.; Descrição do fluxograma e avaliação de alguns defeitos do queijo tipo mussarela. Seminário apresentado ao Programa de Pós-Graduação em Ciência Animal da Escola de Veterinária e Zootecnia da Universidade Federal de Goiás. 2012. Acesso em: https://files.cercomp.ufg.br/weby/up/67/o/semin%C3%A1rio_2_2012_vers%C3%A3o_3.pdf