Bactérias podem sobreviver a sanitizantes químicos?

 

É notável que bactérias em geral são um problema para muitas indústrias, principalmente a alimentícia. Bactérias de gêneros como Bacillus, Clostridium, Sporosarcina, Sporolactobacillus, Thermoactinomyces e Paenibacillus são exemplos que trazem problemas para as empresas, já que elas podem formar esporos resistentes a alguns compostos químicos e que as protegem contra certos processos físicos.

Processos simples de sanitização não conseguem resolver as especificidades desses microrganismos, que podem causar problemas como off flavors (gostos indesejados), ou até mesmo botulismo. A maneira ideal para evitar esses empecilhos é termos cuidado antes mesmo da contaminação (saiba mais em nosso texto inteiramente sobre o assunto).

Uma análise mais minuciosa da literatura nos mostra que a higienização tradicional não funciona para todos os casos, e sim, bactérias podem sobreviver a sanitizantes químicos. Novas abordagens estão sendo desenvolvidas, para que o mercado tenha um método mais seguro para tratar esses tipos de contaminação. Separamos abaixo dados já publicados sobre as diferentes indústrias de alimentos:

 

Indústria de laticínios

 

A qualidade do leite é monitorada pelo contagem bacteriana total, sendo no brasil, a contagem máxima de 1,0×10^3 UFC/mL a 3,0×10^5 UFC/mL, dependendo do tipo de leite. Na indústria de laticínios, um dos maiores problemas é a bactéria Bacillus cereus, que pode causar intoxicação alimentar. Os métodos convencionais de sanitização química são efetivos para a maioria dos casos de contaminação por esse microrganismo, porém, por conta da formação de esporos, acabam resistindo ao ataque desses químicos comuns.

Um estudo do Instituto de Laticínios Cândido Tostes avaliou o potencial de sanitizantes corriqueiramente empregados sobre bactérias esporuladas do gênero Bacillus e determinou que nenhum deles foi eficiente para a inativação da população bacteriana. Outro estudo, publicado no Journal of Food Protection, demonstra também a resistência de Bacillus cereus à sanitizantes químicos, por conta de sua esporulação e formação de biofilme.

Isso demonstra que sim, bactérias podem sobreviver a sanitizantes químicos, criando a demanda de pesquisas sobre modos de inativação de esporos e interrupção de biofilme, já que os métodos atuais não conseguem conter esse meio de contaminação com um custo-benefício rentável.

 

Indústria de carne

 

Na indústria de carnes, um exemplo de bactérias perigosas são as do gênero Salmonella e Listeria, sendo causa de vários surtos por todo o mundo. Um estudo recente publicado na revista Foodborn Pathogens and Disease atestou que a Salmonella enterica, líder em doenças causadas por presença de bactéria em alimentos nos Estados Unidos, tem uma alta resistência a sanitizantes químicos comuns, por conta de sua atividade de formação de biofilme.

Outro trabalho, presente no Journal of Applied Microbiology, mostra que uma cultura de Listeria monocytogenes criada em um biofilme de múltiplas espécies só foi completamente eliminada após o uso de 1000 p.p.m de hipoclorito de sódio, se mostrando altamente resistente ao sanitizante.

 

Casos

 

Em situações onde esses microrganismos não são mortos, é possível que haja a esporulação e os consumidores correm o risco de adoecer se ingerirem esses esporos. Muitas dessas doenças, caso não forem tratadas logo, podem evoluir para sintomas mais sérios e levar até mesmo à morte.

Microrganismos, como o Bacillus cereus (presentes principalmente em carboidratos como massas e arroz), causam intoxicação alimentar, podendo levar a falha hepática. Já foram reportados casos (Mahler H et al. 1997, Shiota M et al. 2010 & Takabe F, Oya M 1976) onde essa bactéria levou jovens menores de 18 anos à morte, assim como debilitaram severamente seus pais.

Bacillus anthracis, por mais que não sejam organismos comumente ligados a intoxicações alimentares, são uns dos exemplos mais mortais, mostrando o quão perigosas podem ser bactérias que esporulam. Pesquisados como armas biológicas durante a guerra fria, seus esporos persistem no ambiente por anos e podem levar à morte tão cedo quanto um dia após inoculação.

Algumas bactérias do gênero Clostridium, também formadoras de esporos, estão ligadas a doenças como tétano, botulismo, enterite, necrose e gangrena. Em geral, bactérias do gênero Lactobacillus não são conhecidas por causarem doenças, mas a sua presença pode causar prejuízos para certas indústrias com a produção de off-flavors a partir de fermentação.

 

Esterilização de Bactérias Esporulantes

 

Diversos métodos podem ser empregados para a esterilização de superfícies, mas na indústria de alimentos é preciso ter muito cuidado na hora de escolher quais deles empregar. As bactérias mais resistentes, quando o assunto é descontaminação, são as esporulantes. Existem diversos métodos que são utilizados para a esterilização desses organismos específicos. Muitas vezes são empregados até mesmo dois ou mais métodos consecutivos, criando uma situação com inúmeras fontes de estresse, para assegurar que os esporos foram destruídos.

Todos os métodos de esterilização existentes podem ser realizados por agentes físicos, químicos ou antimicrobianos naturais. Entre os físicos, se destacam os tratamentos por temperatura (onde o alimento é incubado a temperaturas entre 90ºC e 100ºC) e por pressão. Este último método é amplamente empregado quando o alimento não pode sofrer aquecimento.

Entre os agentes químicos temos os nitratos, nitritos, ácidos orgânicos e fosfatos, todos atuando como conservantes e incorporados junto ao alimento. Os antimicrobianos naturais são encontrados tanto em animais (como o quitosano – polímero encontrado em exoesqueletos de crustáceos) quanto em plantas (óleos essenciais complexos de plantas aromáticas), assim como outros microrganismos, como bacteriocinas produzidas por Lactobacillus. Todos esses compostos antimicrobianos são as mais diversas substâncias que agem como aditivos, podendo ser incorporados ao alimento, assim como os conservantes.

Como podemos perceber, nem todas as bactérias podem ser tratadas da mesma maneira. Algumas necessitam de tratamentos especiais, se não quisermos correr os riscos de contaminar os nossos alimentos. Dependendo da indústria, certas bactérias são mais comuns, incluindo os métodos para esterilização do alimento (falamos disso tanto para indústrias de laticínios quanto de carnes em textos anteriores).

Durante os últimos anos, o nosso conhecimento sobre essas bactérias vem crescendo, assim como as novas tecnologias para esterilização. Caso não haja tratamento, os problemas encontrados podem variar desde um gosto amargo e azedo nos alimentos até doenças sérias que podem piorar rapidamente caso não haja tratamento. Em geral, sempre é recomendado que estudemos sobre os possíveis contaminantes de alimentos e que fiquemos atentos se os produtos estão dentro dos parâmetros de sanitização.

Referências

Costa, E.A. et al. (2016) Bactérias podem sobreviver a sanitizantes químicos? Disponível em: https://www.revistadoilct.com.br/rilct/article/view/442

Talukdar, P.K. et al. (2017) Inactivation Strategies for Clostridium perfringens Spores and Vegetative Cells Disponível em: https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC5165105/ 

Soni, A. et al. (2016) Bacillus Spores in the Food Industry: A Review on Resistance and Response to Novel Inactivation Technologies Disponível em: http://onlinelibrary.wiley.com/doi/10.1111/1541-4337.12231/full

Andersson, A. et al. (1995) What problems does the food industry have with the spore-forming pathogens Bacillus cereus and Clostridium perfringens? Disponível em: http://www.sciencedirect.com/science/article/pii/0168160595000534?via%3Dihub
Hanson, M.L. et al. (2005) Effect of Heat Treatment of Milk on Activation of Bacillus Spores Disponível em: https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/16013392 

Nicholson, W.L. et al. (2000) Resistance of Bacillus Endospores to Extreme Terrestrial and Extraterrestrial Environments Disponível em: https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC99004/ 

Salvador, F.C. et al. (2012) Avaliação da Qualidade Microbiológica do Leite Pasteurizado Comercializado em Apucarana-PR e Região DIsponível em: http://www.cesuap.edu.br/fap-ciencia/edicao_2012/005.pdf 

Biofilm Formation, Antimicrobial Resistance, and Sanitizer Tolerance of Salmonella enterica Strains Isolated from Beef Trim http://online.liebertpub.com.ez45.periodicos.capes.gov.br/doi/abs/10.1089/fpd.2017.2319

Ryu, J.H. and Beuchat, L.R. (2005) Inactivation Strategies for Clostridium perfringens Spores and Vegetative Cells Disponível em: https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/16355833

Noorwood, D.E. and Gilmour, A. (2000) The growth and resistance to sodium hypochlorite of Listeria monocytogenes in a steady-state multispecies biofilm Disponível em: http://onlinelibrary.wiley.com/doi/10.1046/j.1365-2672.2000.00990.x/full

Takabe, F. and Oya, M. (1976) An autopsy case of food poisoning associated with Bacillus cereus. Disponível em: https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/823082   

Mahler, H. et al. (1997) Fulminant liver failure in association with the emetic toxin of Bacillus cereus. Disponível em: https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/9099658 

Shiota, M. et al. (2010) Rapid detoxification of cereulide in Bacillus cereus food poisoning. Disponível em: https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/20194285