Como esporos podem impactar em sistemas de limpeza em circuito fechado (CIP – Clean in place).

O processo de CIP é amplamente empregado em indústrias para garantir a limpeza e a sanitização dos equipamentos que compõem a linha de produção. No entanto, relatos da existência de esporos microbianos resistentes às condições térmicas e químicas utilizadas durante o CIP estão cada vez mais frequentes.

O que é CIP e qual o seu papel nas indústrias?

Atualmente, é de grande preocupação por parte das indústrias (químicas, farmacêuticas, cosméticas e sobretudo alimentícias) a elaboração e manutenção adequada de processos de limpeza e sanitização, a fim de evitar contaminações microbianas e garantir a qualidade dos produtos finais e a segurança dos consumidores.

Dentre os métodos comumente empregados para a higienização em linhas de produção, destaca-se o sistema CIP (do ingês cleaning in place). Essa abordagem baseia-se no uso de uma mistura de compostos químicos, calor e água, em um sistema de circulação e recirculação em circuito fechado, para efetuar a limpeza de máquinas, tubulações e tanques em indústrias.

Em outras palavras, consiste no emprego controlado e interconectado de agentes químicos, mecânicos, de temperatura e de tempo, para a eliminação de sujidades e de microrganismos. Suas principais vantagens são a automatização, a facilidade de implementação na linha de produção, a não necessidade de remoção ou desmonte dos componentes do sistema e a redução de gastos hídricos e energéticos.

No entanto, apesar da ampla disseminação e adoção desse sistema nas indústrias e da sua notável confiabilidade, diversos relatos descrevem a existência de esporos bacterianos resistentes às condições térmicas e químicas empregadas no CIP, assim gerando problemas de contaminação e atentando para os perigos destes esporos e para a necessidade de um controle mais rigoroso do sistema.

Porque esporos são termorresistentes?

Apesar do emprego de temperaturas elevadas durante o processo de higienização CIP, esporos bacterianos podem sobreviver. A resistência à condições adversas é uma característica intrínseca aos mesmos, que são formados quando as bactérias encontram-se em situações inóspitas de sobrevivência. No que diz respeito à temperatura, estima-se que os esporos suportem de 30 a 40ºC a mais do que suas respetivas células bacterianas.

Esporos microbianos cujo ótimo de crescimento se dá em temperaturas elevadas (entre 41 e 122 ºC) são denominados termófilos. Embora o mecanismo para a sua adaptabilidade não esteja totalmente elucidado, a principal hipótese é de que ele se dá pela sinergia de diversos fatores. O primeiro deles está relacionado ao conteúdo de água presente no núcleo do esporo, que é muito menor do que o das células em si. Quanto menor o conteúdo, maior a resistência ao calor úmido. Ainda, os esporos termófilos possuem macromoléculas, sobretudo proteínas, com alta termoestabilidade.

Por fim, cerca de 5 a 15% do peso seco dos esporos é constituído por um composto químico denominado ácido dipicolínico (DPA), que implica em resistência térmica. O DPA forma um complexo com íons de cálcio dentro do núcleo do endósporo e liga a moléculas livres de água, causando a desidratação do esporo e consequentemente aumentando a resistência ao calor. O complexo de cálcio-DPA também é capaz de proteger ácidos nucléicos e aumentar a sua estabilidade, evitando assim à morte dos esporos por dano ao DNA.

Dentre os gêneros bacterianos conhecidamente capazes de produzir esporos termófilos, destacam-se os gêneros Bacillus e Clostridium. Estes são comumente encontrados associados a superfícies de equipamentos em vários ambientes industriais, e são de grande preocupação por parte das indústrias alimentícias, dados os riscos que podem oferecer à segurança e à saúde humana.

Por que esporos resistem a sanitizantes?

Além de resistirem ao calor, os esporos bacterianos também podem resistir aos químicos utilizados no processo de sanitização do CIP, o qual visa diminuir a carga microbiana a um nível seguro.

Dentre os principais sanitizantes utilizados nesse processo, destacam-se o hipoclorito de sódio, o ácido peroxiacético e os iodóforos, além dos agentes químicos ácidos e básicos empregados no processo de limpeza. Estes produtos utilizam mecanismos de dano ao DNA ou as camadas e membranas que protegem o interior do esporo. Entretanto, a resistência dos esporos a essas condições se deve a um conjunto de características intrínsecas.

Um dos fatores envolvidos é a presença da capa proteica que protege o esporo, na qual já foram identificadas enzimas que podem estar envolvidas na defesa contra agentes oxidantes. Além disso, a membrana interna é altamente impermeável e impede que muitas moléculas prejudiciais tenham acesso ao cerne do esporo.

 

                       Figura 1: Esquema da estrutura do esporo microbiano. (Fonte: Setlow, 2006)

Outra peculiaridade destas estruturas são proteínas sintetizadas unicamente durante a esporulação, as SASP (Small Acid-Soluble Spore Proteins). Estas proteínas se ligam ao DNA, diminuindo sua reatividade com outros agentes químicos, inclusive sanitizantes. Ainda, outros mecanismos de reparo de DNA e macromoléculas atuam no processo de germinação e superação de dormência, permitindo a recuperação e viabilidade da bactéria.

Como esporos podem dificultar o processo de higienização em circuito fechado?

Devido à alta resistência às condições de limpeza do CIP, alguns esporos podem persistir nos dutos e tanques das indústrias. Isso porque além de suas características que lhes permite sobreviver ao ambiente desfavorável, alguns esporos também possuem a capacidade de se aderir a várias superfícies, inclusive o aço inoxidável das tubulações.

Essa propriedade, presente em algumas espécies de Bacillus, se deve principalmente a hidrofobicidade do esporo, que interage com superfícies como as do aço inoxidável dos equipamentos industriais. Além disso, mecanismos de ancoragem através de apêndices presentes no exósporo fortalecem a capacidade de aderência.

Devido a isso, a remoção dos esporos e outras sujidades depende fortemente da geometria das tubulações – dobras, estreitamentos – que impacta na intensidade do fluxo dos fluidos utilizados no CIP. Contudo, é notável que após o processo de limpeza, alguns esporos podem permanecer nos equipamentos, atentando para o problema da readesão dos mesmos. Esta ocorre principalmente em áreas de recirculação e desaceleração dos fluidos de limpeza, demonstrando o importante papel dos padrões de fluxo dos agentes químicos utilizados.

Apesar disso, alguns compostos alcalinos empregados no CIP são capazes de danificar estruturas de proteção do esporo, possivelmente impedindo-o de germinar mesmo com condições ambientais favoráveis na indústria. Todavia, é fundamental que se considere novas estratégias de limpeza afim de eliminar chances de contaminação por estes microrganismos.

Em suma, o sistema CIP utiliza variados produtos químicos, água e diferentes temperaturas para a limpeza e sanitização de máquinas e tubulações nos ambientes industriais. Sua vantagem é que os equipamentos não precisam ser desmontados, uma vez que tudo ocorre em um sistema de circulação fechada.

Devido a sua praticidade, baixo custo e segurança operacional, esta metodologia vem sendo amplamente adotada, demonstrando grande eficiência. Entretanto, estruturas resistentes às condições do CIP, como esporos bacterianos, têm se tornado um grande desafio.

Daí a importância de atentar para a avaliação e monitoramento das CIP, utilizando metodologias que consigam mensurar a presença destes esporos após as etapas de higienização. Na mesma linha, é fundamental elaborar estratégias que contribuam para a eliminação destes microrganismos, evitando contaminações e fornecendo produtos seguros à população.

 

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