O Brasil encontra-se em posição de destaque na cadeia produtiva de carne de frango. O país ocupa não só o topo da cadeia exportadora, como também o terceiro lugar na produção mundial. Para garantir essa produtividade, é necessário assegurar a qualidade do produto, uma vez que a carne de frango é apontada como a principal fonte de Salmonella, considerada uma zoonose complexa que afeta a saúde pública no mundo todo. No Brasil, entre os anos de 2000 e 2014, 38,2% dos surtos de Doenças Transmitidas por Alimentos (DTAs) foram em decorrência deste microrganismo.

 

A Salmonella

Atualmente duas espécies de Salmonella são reconhecidas, sendo elas: S. enterica e S. bongori. A espécie Salmonella enterica é subdividida em 6 subespécies: S. enterica enterica, S. enterica arizonae, S. enterica diarizonae, S. enterica houtenae, S. enterica inidca e S. enterica salamae. A Salmonella enterica subspécie enterica é o grupo clinicamente mais relevante, sendo responsável por 99% das doenças e infecções relacionadas à Salmonella. Em relação aos sorotipos, já foram identificados mais de 2.500, sendo que destes, menos de 100 estão envolvidos em casos de infecções humanas.

Dentre os inúmeros sorotipos de Salmonella, S. Enteritidis, S. Typhimurium e S. Infantis são os mais comumente envolvidos em casos de doenças alimentares. Estes sorotipos são também os mais frequentemente isolados no frango, tanto na ave viva quanto na carne. Para que uma infecção por Salmonella aconteça, fatores como status do hospedeiro e o status da bactéria são levados em consideração. Assim, enquanto idade e genética podem determinar a susceptibilidade do hospedeiro, o status das bactérias é determinado pelos fatores de virulência. Dentre estes fatores podem ser citados a presença de fímbrias, flagelos, mobilidade, habilidade de penetrar e se replicar nas células epiteliais, resistência ou multirresistência a antimicrobianos.

 

Genes de virulência e patogenicidade da Salmonella

Mendonça (2016) realizou um estudo com 111 cepas de S. Enteritidis e 45 de S. Typhimurium isoladas de carcaça de frango. Foi identificada a presença dos genes de virulência invA, sefA, agfA e lpfA nas cepas isoladas de S. Enteritidis em 92,8% das cepas, enquanto que para S. Typhimurium foram identificados os genes invA, agfA e lpfA, em 93,3% das cepas. A alta frequência destes genes de virulência destaca o potencial de patogenicidade dos sorovares de Salmonella, uma vez que estão relacionados com a invasão na célula do hospedeiro (invA), produção de fimbria e adesão (sefA), adesão no processo de infecção e formação de biofilme (agfA) e capacidade de adesão às células M do intestino (ipfA).

O mesmo estudo objetivou também verificar a resistência das cepas aos antimicrobianos, onde foi observado a resistência de S. Enteritidis aos antimicrobianos espectinomicina (96,4%), ácido nalidíxico (93,7%) e ciprofloxacina (89,2%), e de S. Typhimurium para espectinomicina com 95,6%, relacionados a presença de genes de resistência.

 

Utilizando a biologia molecular na identificação de sorotipos de Salmonella

A preocupação com este patógeno vem aumentando devido as características citadas, e por este motivo, métodos moleculares de sequenciamento genético são utilizados para auxiliar no entendimento do comportamento da Salmonella.  Uma vez que os genes da bactéria são conhecidos, é possível identificar sua origem, fontes da infecção, fatores de virulência, presença de contaminação cruzada no processo, resistência a antimicrobianos, capacidade de formação de biofilme, entre outros.

Dentre os diversos métodos, destaca-se o Sequenciamento do Genoma Completo, do inglês, Whole Genome Sequencing (WGS), feito através do ensaio Sorotipagem Molecular SLM, devido ao melhor custo benefício para um estudo completo de monitoramento de origem, dispersão e correlação de isolados de Salmonella. A partir dos resultados do teste, pode-se analisar a sorovariedade, a clonalidade, os genes marcadores, genes de virulência e os genes de patogenicidade. Com essas informações, é possível entender a epidemiologia do patógeno e estabelecer parâmetros para avaliar os riscos à saúde pública. Este monitoramento contribui ainda na garantia da segurança do alimento produzido, podendo inclusive, ser utilizado no futuro, como marcador das estirpes circulantes no país, o que ajudaria a entender problemas relacionados à sua origem ou às variações na sua patogenicidade.

 

Referências

ABPA – ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE PROTEÍNA ANIMAL. Relatório anual, 2020. Disponível em: <https://abpa-br.org/wp-content/uploads/2020/05/abpa_relatorio_anual_2020_portugues_web.pdf>. Acesso em: 16 de set de 2020.

BRASIL. Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância em Saúde. Manual técnico de diagnóstico laboratorial de Salmonella spp.: Diagnóstico laboratorial do gênero Salmonella. Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância em Saúde, Fundação Oswaldo Cruz. Laboratório de Referência Nacional de Enteroinfecções Bacterianas, Instituto Adolfo Lutz. Brasília, p. 60. 2011.

CHEN, J.; KARANTH, S.; PRADHAN, A. K. Quantitative microbial risk assessment for Salmonella: Inclusion of whole genome sequencing and genomic epidemiological studies, and advances in the bioinformatics pipeline. Journal of Agriculture and Food Research, V. 2, 100045, 2020.

CHRISTOFF, A. P. Sorotipagem Molecular SLM: Sequenciamento de genoma completo de Salmonella entérica. Nota técnica: Sorotipagem Molecular SLM, v.1, 2018.

MENDONÇA, E. P. Características de virulência, resistência e diversidade genética de sorovares de Salmonella com impacto na saúde pública, isolados de frangos de corte no Brasil. Tese (Doutorado em Ciências Veterinárias) – Faculdade de Medicina Veterinária da Universidade Federal de Uberlândia. Uberlândia, p. 134. 2016.

MOURA, M.S.; OLIVEIRA, R.P.; MELO, R.T.; MENDONÇA, E.P.; FONSECA, B.B.; ROSSI, D.A. Genes de virulência e diversidade genética em Salmonella spp. Isoladas de amostras de origem suína. Arq. Bras. Med. Vet. Zootec., v.66, n.5, p.1367-1375, 2014.

 

Sobre a autora

Priscila Policarpi é graduada em Ciência e Tecnologia de Alimentos pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) e mestre em Ciência dos Alimentos também pela UFSC.