Um episódio recente de reinfecção pelo novo coronavírus foi publicado na revista Clinical Infectious Diseases. O caso em questão foi o primeiro a ser documentado, embora a possibilidade de reinfecção já estivesse sendo suspeitada.

 

A reinfecção

Um caso de reinfecção pelo novo coronavírus foi documentado em um artigo intitulado COVID-19 re-infection by a phylogenetically distinct SARS-coronavirus-2 strain confirmed by whole genome sequencing, publicado na revista Clinical Infectious Diseases.

O episódio em questão envolveu um homem de 33 anos, morador de Hong Kong. Em 26 de março de 2020 ele apresentou sintomas leves da COVID-19, entre eles tosse, dor de garganta e febre. Os sintomas duraram 3 dias e o diagnóstico foi confirmado por um exame de PCR, com amostra coletada da orofaringe. Após a confirmação, o homem foi internado e logo os seus sintomas desaparecerem. Em meados de abril ele recebeu alta do hospital, após realização de dois exames de PCR, ambos com resultado negativo.

Em meados de agosto do mesmo ano, o homem foi diagnosticado novamente com a COVID-19, porém, permaneceu assintomático. Este segundo diagnóstico positivo veio após um exame de PCR realizado durante uma triagem no aeroporto de Hong Kong. O homem voltava de uma viagem para a Espanha e após o diagnóstico, foi novamente hospitalizado, permanecendo assintomático. Exames de PCR realizados ao longo do período de internação mostraram redução da carga viral com o passar do tempo.

Além das análises de RT-PCR, foram também realizados testes sorológicos no paciente. Os resultados não mostraram a presença do anticorpo IgG nas amostras coletadas após 10 dias da primeira infecção, bem como nos dias iniciais da segunda infecção. Apenas amostras coletadas no quinto dia de hospitalização foram positivas para presença do anticorpo IgG.

 

Reinfecção: O sequenciamento do genoma

Os pesquisadores realizaram o sequenciamento completo do genoma das amostras coletadas nas duas infecções. A análise genômica mostrou que os dois vírus sequenciados pertencem a diferentes linhagens. De acordo com os autores do estudo, o primeiro genoma parece estar mais relacionado com as cepas dos Estados Unidos ou Inglaterra coletadas entre março e abril. Já o segundo genoma aparenta maior relação com as cepas da Suíça ou Inglaterra, coletadas entre julho e agosto.

O caso relatado pelos pesquisadores é o primeiro episódio de reinfecção pela COVID-19 já documentado. Os autores utilizam algumas evidências para embasar a reinfecção, e não uma possível disseminação viral prolongada.

Primeiramente, a análise do genoma completo mostrou que as cepas dos dois episódios pertencem a diferentes linhagens. Mais de 20 diferenças de nucleotídeos indicam aos pesquisadores tal diferença. Um segundo ponto levantado é o tempo entre as duas infecções, que foi de 142 dias. Estudos indicam que o RNA fica indetectável um mês após o início dos sintomas, na maioria dos casos. Além disso, alguns pontos relatados pelos pesquisadores revelam um caso típico de infecção aguda.

 

Os impactos da reinfecção

A comprovação da reinfecção pela COVID-19 tem impactos importantes. Entre eles, os pesquisadores citam a improbabilidade da imunidade de rebanho, seja ela adquirida por infecção ou vacinação, eliminar o vírus SARS-CoV-2. Ou seja, mesmo que as infecções posteriores possam ser mais leves que a primeira, é possível que a COVID-19 continue circulando na população, como é o caso de outros coronavírus humanos. Um outro impacto importante da reinfecção refere-se às vacinas, os autores sugerem que elas possam não fornecer imunidade vitalícia contra a COVID-19, e os novos estudos relacionados às vacinas devem incluir também pacientes que já foram infectados pelo novo coronavírus.

A falta de resposta imunológica após a infecção pela COVID-19 pode impactar na gravidade de uma segunda infecção. Os autores ressaltam que apesar do paciente em questão não ter apresentado sintomas durante a segunda infecção, existe a possibilidade da reinfecção ser mais grave. Os pesquisadores envolvidos no estudo também discutem as possibilidades envolvidas em relação a produção dos anticorpos na primeira infecção. Segundo eles, é possível que não tenha sido desenvolvida uma resposta imune na primeira infecção, porém, não é possível afirmar, uma vez que só foi coletado soro para análise 10 dias após o início dos sintomas e estudos indicam uma resposta imune mais tardia em alguns pacientes. Outra possibilidade é os anticorpos terem sido produzidos após a primeira infecção, porém terem diminuído com o passar do tempo a ponto de se tornarem indetectáveis.

Vale ressaltar que o estudo apresenta algumas limitações, e as mesmas são apontadas pelos autores da pesquisa. Entre elas, o fato de existir apenas uma amostra de soro do primeiro episódio de infecção pela COVID-19 do paciente. Além disso, algumas pessoas não desenvolvem anticorpos até o décimo dia de infecção, sendo assim, não pode ser descartada a hipótese do paciente ter desenvolvido anticorpos na primeira infecção.

O estudo relatado mostra que a reinfecção pela COVID-19 pode ocorrer novamente poucos meses após uma primeira infecção. Outro ponto ressaltado pelos autores do artigo, é a importância das pessoas já infectadas serem vacinadas, bem como obedecerem as medidas de distanciamento social e uso de máscaras.

Após a documentação deste caso, outros episódios de possíveis reinfecções já começaram a ser investigados.

 

Referência

KAI-WANG, K., et al. COVID-19 re-infection by a phylogenetically distinct SARS-coronavirus-2 strain confirmed by whole genome sequencing. Clinical Infectious Diseases, 1-25 (2020).